Não somos escritores. Mas de tempos em tempos, inspirados em nossos mestres maiores, escrevemos.

domingo, 22 de novembro de 2009

VIDINHA SEM VÉU


Quando chegas a tua casa tu, mulher, que te agoniza ao ouvir os pássaros cantarem. Sabe que o dia esta nascendo e a noite morrendo. Na noite que passou tu morreu mais uma vez. Como toda semana, como sempre tu fizeste. E agora este espelho revela teu cadáver suado. Corpo vivo e alma morta. Coração que bate sem razão, sangue escorrendo nas veias em vão.

E agora, depois do que passou, tu chega na tua casa. Tu tens casa! Com teus pés pretos de sujeira, dedos vermelhos daquela sandália que te fez sentir sensual, que também te fez sentir dor. Teu vestido curto cheira a qualquer substância etílica, com temperos de tabaco, nicotina, uma alquimia degradante. Teu rosto maquiado era tão lindo. Restaram-lhe feições fantasmagóricas. O lápis preto não mais é necessário. Tuas cavas nos olhos agora estão naturais. Teu batom borrado pela boca de algum desconhecido não mais embeleza teus lábios. E a base escorrida de suor revela tua verdadeira face.

Eis tu como estás. Eis tu o que tu és. A cabeça pesa toneladas. As pálpebras não mais firmam na face. Pela janela os primeiros raios de sol te trazem desconforto. É mais um dia chegando. Mais uma noite que terminou. Outra festa que acabou. Sim ela acabou. Não há mais festa, não há mais drogas, não há mais sexo. E agora, o que te fará feliz? Tua alegria é falaciosa. Finge um sorriso na cara. Deleitas por algumas horas. Depois restam somente restos. Restos de ti mesma, despedaçada, desfalecida. E agora, depois de toda euforia resta a verdade. A verdade que tu escondeste de ti mesma naquela noite. E que agora não quer pensar. Não tem como pensar. Vendeu o pensamento para comprar prazer. Gastou o prazer. Perdeu a razão.

Não tem mais forças. Atira-te logo à cama. Morra. Amanhã não tens compromisso, acordarás no final do dia. Perderás um dia. Tua cabeça estará destruída. Mas segunda, segunda já estará tudo resolvido. Voltarás a fingir viver. Fingirás que trabalha, fingirás que estuda e fingirás que gosta daquilo tudo. Fingirás que tudo é bom e que tu tens uma vida feliz. Fingirá que tens um propósito para deixar tua família feliz. Fingirás a ti mesma. E, quando no final da semana, tu mesma começar a duvidar das tuas mentiras, saberá que a sexta e o sábado estão chegando. É a alegria novamente se aproximando. Mais uma vez tu estas te enganando. Então, tu repete tudo de novo.

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